Entrevista


Em entrevista concedida ao jornal A Verdade, o ex-deputado federal Sérgio Miranda fala do atual cenário político nacional e internacional, das principais lutas dos trabalhadores no Brasil e da necessidade de fortalecer o movimento de massas para enfrentar a crise econômica do capitalismo, como resposta da classe trabalhadora e do povo aos grandes desafios políticos atuais. Sérgio Miranda é pré-candidato a deputado federal pelo PDT nas próximas eleições, já tendo exercido o mandato durante quatro legislaturas.

A Verdade – Qual a sua opinião sobre o atual quadro político no Brasil?

Sérgio Miranda – O atual quadro é dominado pelo processo eleitoral, que infelizmente tem se caracterizado pela enorme despolitização e pela não discussão dos problemas reais que afetam a economia e o povo brasileiros. Parece que tudo se resume a uma questão de marketing. A ameaça do retorno ao poder das forças mais à direita não pode ser subestimada. O retrocesso com a vitória dessas forças na política externa é algo bastante ameaçador. As declarações de Serra atacando os líderes progressistas na América Latina e contrárias à iniciativa do Brasil para evitar a ameaça de guerra contra o Irã, incluindo as relações do Brasil com Cuba, são evidências disso. As forças de esquerda têm nessa eleição um enorme desafio: aumentar o contato com o povo, levantar os problemas concretos vividos pelos trabalhadores neste debate eleitoral e garantir a conquista de espaços para candidatos progressistas.

A VERDADE – Como você avalia a crise econômica mundial? Quais as consequências da crise no Brasil e seu impacto na vida dos trabalhadores?

Sérgio Miranda – A crise econômica que se iniciou em 2008, com a quebra do sistema financeiro norte-americano, não se esgotou, como alguns pretendem defender. É uma crise grave, comparável à de 1929, e que, com o agravamento da situação da Europa, mostra que ainda vai demorar muito para ser superada. O que chama a atenção é que, na primeira fase da crise, os Estados nacionais se endividaram para garantir o funcionamento dos mercados financeiros e evitar uma queda maior no nível de atividade. Agora, com o crescimento dos déficits fiscais e do endividamento público, a conta está sendo paga pelos trabalhadores e servidores públicos. As recentes medidas adotadas pela Grécia, Espanha e Portugal, de corte de salários e aposentadorias e diminuição de programas sociais demonstram que tudo é feito para preservar os interesses dos credores financeiros. Os trabalhadores e o povo vêm se manifestando nas ruas e tudo indica que se prepara um grande crescimento do movimento popular contra esse tipo de medida.

A VERDADE – O que você pensa sobre o modelo desenvolvimentista do governo atual?

Sérgio Miranda – O modelo desenvolvido pelo governo Lula, de fortalecimento dos grandes monopólios nacionais em áreas de exportação de matérias-primas feito com recursos públicos do BNDES, deve ser criticado. Há um erro estratégico na política econômica do governo, que está conduzido o Brasil a uma regressão na sua indústria e ao fortalecimento de uma visão que torna o País um mero exportador de soja, minérios, celulose etc. Isso é grave, pois não gera emprego de qualidade, fortalece as elites mais reacionárias e conservadoras e significa, na prática, um retrocesso no desenvolvimento industrial já alcançado pelo Brasil. As ações do governo servem ao grande capital e não levam em conta a situação dos trabalhadores. Nenhuma das medidas adotadas no governo FHC, que prejudicam os trabalhadores, foi revogada. Como, por exemplo, os bancos de horas, o Fator Previdenciário e os múltiplos contratos de trabalho precário. Isso aparece de forma mais clara na proposta de reforma tributária, que não aborda o que há de mais grave no nosso sistema, no qual a carga tributária é mais pesada para os pobres e se tributam muito pouco o patrimônio e a renda das elites endinheiradas.

A VERDADE – Que acha do processo de privatização do petróleo brasileiro?

Sérgio Miranda – Esse é um dos pontos mais negativos do governo Lula, que não teve a necessária coragem política de revogar a Lei nº 9.478, do governo FHC, e suspender os leilões das bacias petrolíferas. O governo, agora no pré-sal, muda parcialmente esse modelo com o regime de partilha, mas mantém as concessões para as áreas que não são do pré-sal. Temos que conquistar, através da luta e da mobilização, o fim dos leilões, uma efetiva defesa dos interesses nacionais na exploração do petróleo na camada do pré-sal.

A VERDADE – Quanto à CPI da Dívida Pública, qual sua posição a respeito?

Sérgio Miranda – Uma importante iniciativa de alguns parlamentares, junto com o movimento da Auditoria Cidadã da Dívida, que, infelizmente, não teve repercussão nem na mídia nem na sociedade. Denúncias graves foram feitas, porém nem o movimento sindical nem os partidos deram repercussão a esses fatos, porque adotam uma visão errada de que a dívida não é mais um problema. A CPI demonstrou cabalmente que este raciocínio é errado. A dívida já supera os R$ 2 trilhões e seu custo é de R$ 200 bilhões por ano, que são pagos com a emissão de novos títulos – o que, na verdade, só faz aumentar ainda mais a dívida. Isso quando a arrecadação total da União é de pouco mais de R$ 500 bilhões. O Brasil trabalha para pagar juros aos banqueiros.

A VERDADE – Foram votados o fim do fator previdenciário e o reajuste de 7,7% para os aposentados, uma causa em que você teve uma atuação muito grande no Congresso Nacional. Qual sua opinião sobre essas medidas?

Sérgio Miranda – São medidas justas e corretas, uma vitória do movimento dos aposentados e pensionistas, os quais, com sua mobilização, conseguiram conquistar apoio na sociedade e, com isso, pressionaram os parlamentares para garantir essas conquistas. O fator previdenciário, além de injusto socialmente, é um erro técnico, pois pode levar ao absurdo de um trabalhador que prorroga o seu pedido de aposentadoria ter o seu benefício diminuído, já que a expectativa de sobrevida do IBGE muda a cada ano, dando saltos de 10 em 10 anos. O fator previdenciário prejudica mais aqueles que iniciaram mais cedo a sua vida no mercado de trabalho e aqueles trabalhadores que estão expostos a situações insalubres e perigosas. O reajuste dos aposentados é uma medida correta e justa. Os aumentos reais de salário mínimo buscam transferir para os salários parte da elevação da produtividade do trabalho. Os aposentados não podem ficar à margem desses avanços, pois contribuíram para a elevação da produtividade quando estavam trabalhando e é justo que recebam também esses aumentos. Caso isso não seja feito, seus benefícios ficam achatados em relação ao salário mínimo. Esperamos que o governo Lula tenha juízo e não vete essas medidas justas em benefício dos trabalhadores.

A VERDADE – Você, que tem acompanhado a luta dos estudantes de Belo Horizonte pelo meio passe nos últimos 25 anos, que acha dessa situação continuar sem solução até hoje?

Sérgio Miranda – As autoridades municipais de Belo Horizonte não têm argumentos para justificar o fato de que a nossa capital seja a única que não concede esse beneficio aos estudantes. Isso só faz demonstrar o descaso da Prefeitura em relação à educação, pois o meio passe é uma forma de permitir o acesso dos estudantes às escolas. Os estudantes de Belo Horizonte mantêm-se ativos e mobilizados na defesa do meio passe e na denúncia da insensibilidade social da prefeitura.

Por Fernando Alves

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